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Participação Política, Resenhas, Teoria Democrática

Resenha: Comunidade e Democracia de Robert Putnam

Duas perguntas fundamentais para o problema de pesquisa do estudo de Robert Putnam podem ser identificadas como: (i) por que alguns governos democráticos tem bom desempenho e outros não? (ii) E quais são as condições necessárias para criar instituições fortes, responsáveis e eficazes? No recorte teórico institucionalista, Putnam identifica dois elementos convergentes nas abordagens do institucionalismo da escolha racional, do institucionalismo sociológico e do institucionalismo histórico: (i) as instituições moldam a política; (ii) as instituições são moldadas pela história. Segundo Putnam (1996): “as instituições influenciam o resultado porque moldam a identidade, o poder e a estratégia dos atores.”

Para Putnam, as instituições se caracterizariam pela inércia e robustez, corporificando trajetórias históricas bem como momentos decisivos, remetendo a observação fundamental, para o autor, de que a história importa porque segue, necessariamente, uma trajetória. Em sua definição metodológica do trabalho, Putnam considerou como variável independente as instituições. O autor buscou empiricamente observar como a mudança institucional influencia a identidade, o poder e a estratégia dos atores políticos. Como variável dependente Putnam considerou como o desempenho institucional é condicionado pela história. Uma das premissas refletidas por Putnam é a de que o desempenho prático das instituições é moldado também pelo contexto social em que elas atuam.

Para Putnam (bem como para Douglas North), as instituições seriam as “regras do jogo”, as normas que regem a tomada de decisões coletivas, o palco onde os conflitos se manifestam e (às vezes) se resolvem. Mas Putnam acrescenta um outro aspecto à definição das instituições: elas seriam mecanismos para alcançar propósitos, não apenas com o fim de alcançar acordos, ou seja, as pessoas querem que o governo faça coisas, não apenas decida coisas. Como consequência, é necessário se pensar o que se constitui como “desempenho institucional” e mais ainda: o que pode ser identificado como êxito institucional? Para Putnam, êxito institucional significaria capacitar os atores a resolver suas divergências da maneira mais eficiente possível, considerando suas diferentes preferências. Neste sentido, os resultados da ação governamental, mesmo quando planejada e implementada, pode não ser aqueles que os proponentes esperavam.
Ao pensar sobre o desempenho institucional, Putnam também considerou as consequências da mudança institucional, avaliando, quanto a sua análise específica, o “antes” e o “depois” do ponto de vista da evolução dos governos regionais italianos. Ao se refletir sobre o desempenho institucional, o mesmo pode ser atrelado a dois fatores: (i) sócio-econômicos (a modernização sócio-econômica como condição indispensável para um governo democrático estável e eficaz); (ii) sócio-culturais (a conexão tocquevilliana entre os costumes de uma sociedade e suas práticas políticas).

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No estudo que realizou sobre os governos regionais italianos, Putnam procurou avaliar o desempenho institucional por meio de três critérios: (i) a continuidade administrativa; (ii) as deliberações sobre as políticas e; (iii) a implementação das políticas. A premissa que orientou a análise de Putnam é a de que a eficácia de uma instituição depende sobretudo de sua capacidade de bem conduzir seus negócios internos (1996, p.79).

Ao quadro empírico observado por Putnam, dimensionado de forma avaliativa a partir do critério de modernização (critério de desempenho institucional), o cenário observado é adverso. Em alguns cenários observados nas regiões italianas, regiões mais atrasadas em seu desenvolvimento econômico são mais eficientes em seus governos que regiões mais desenvolvidas (2003, p.100). Como consequência, uma das indagações que surgem (e diretamente oposta a boa parte da literatura de Ciência Política que atrela o desenvolvimento democrático ao desenvolvimento econômico) é: é a modernidade uma das causas do desempenho institucional? Ou o desempenho institucional é, talvez de certa forma, uma das causas da modernidade?

Democracia

Quanto aos fatores sócio-culturais, Putnam considera que a comunidade cívica é um determinante mais forte que o desenvolvimento econômico. Quanto mais cívica a região, mais eficaz seu governo. Segundo Putnam, as regiões economicamente mais desenvolvidas têm governos regionais mais eficientes simplesmente porque há mais participação cívica (1996, p.112). Outro ponto a ser considerado é de que não é o grau de participação política que distingue as regiões cívicas das não-cívicas, mas sim a natureza dessa participação. Para Putnam, regiões menos cívicas são as mais sujeitas a “velha praga” da corrupção política. O contexto cívico é importante para o funcionamento das instituições e o principal fator explicativo do bom desempenho de um governo é a medida em que a vida social e política de uma região se aproxima do ideal da comunidade cívica.

Ao discorrer sobre os dilemas da ação coletiva, Putnam observa que a incapacidade de cooperação para o aproveitamento mútuo não significa necessariamente ignorância ou mesmo irracionalidade. Tanto que, a partir da teoria dos jogos, apresenta quatro aspectos do dilema: (i) o drama dos bens comuns; (ii) o bem público; (iii) a lógica da ação coletiva e; (iv) o dilema do prisioneiro. Em todos os quatro cenários, as partes envolvidas teriam a ganhar caso cooperassem, mas na falta de um compromisso mútuo confiável, cada qual prefere desertar. Uma saída para o impasse, segundo Putnam, é a “saída hobbesiana”, caracterizando uma terceira parte, caracterizada por uma maior “neutralidade”.

O problema para um cenário de coerção imposto por um terceiro ( o Estado) é o de que sociedades que enfatizam muito o uso da força costumam ser menos eficientes, mais sacrificantes e menos satisfatórias do que aquelas onde a confiança é mantida por outros meios. O maior problema para Putnam é o de que a coerção imparcial é em si mesma um bem público, estando sujeita ao mesmo dilema básico que ela busca resolver (1996, p. 175). Na leitura que Putnam realiza da teoria dos jogos, a coerção imparcial de um terceiro não constitui geralmente um “equilíbrio estável”, isto é, aquele em que nenhum jogador tem motivos para modificar seu comportamento. Entretanto, no clássico dilema do prisioneiro e nos dilemas correlatos da ação coletiva, a deserção é uma estratégia de equilíbrio estável para todos os participantes, embora essa teoria subestime a cooperação voluntária, segundo Putnam (1996, p.175). Como consequência uma pergunta desdobrada emerge: como e por que se formam as instituições formais que ajudam a superar os problemas de ação coletiva?

A resposta se encontra na premissa de que as instituições formais surgem para diminuir os custos de transação. A superação dos dilemas da ação coletiva e do oportunismo contraproducente daí resultante depende do contexto social mais amplo em que determinado jogo é disputado. Para Putnam, a cooperação voluntária é mais fácil numa comunidade que tenha herdado um bom estoque de capital social sob a forma de regras de reciprocidade e sistemas de participação cívica. Por capital social Putnam considera: (i) confiança; (ii) normas; (iii) cadeias de relações sociais. Para Putnam, a confiança social pode derivar de duas fontes conexas: (i) as regras de reciprocidade e (ii) os sistemas de participação cívica.

Reactions On The Street As Judges Rule On Lula's Corruption Conviction
 (Photo by Cris Faga/NurPhoto via Getty Images)

As normas sociais que fortalecem a confiança social: “vingam porque reduzem os custos de transação e facilitam a cooperação”, sendo a mais importante das regras a da reciprocidade (1996, p.182). As comunidades onde a regra da reciprocidade é obedecida têm melhores condições de coibir o oportunismo e solucionar os problemas de ação coletiva. Contrariando a tese de Mancur Olson (de que os pequenos grupos de interesse não têm nenhum motivo para trabalhar pelo bem comum da sociedade e todos os motivos para engajar-se em atividades especulativas onerosas e ineficientes, tornando-se cada vez mais numerosos, sufocando a inovação e entravando o crescimento econômico. Outra tese descartada por Putnam é a de Migdal ( que aponta que grupos mais numerosos e mais fortes significam um governo fraco), Putnam considera teórica e empiricamente que as normas e os sistemas de participação cívica promoveram o crescimento econômico, em vez de inibi-lo, observando-se uma forte relação entre associações cívicas e instituições públicas eficazes (1996, p. 186).

Em todas as sociedades, os dilemas da ação coletiva obstam as tentativas de cooperar em benefício mútuo, seja na política ou na economia. Para Putnam, a coerção de um terceiro é uma solução inadequada para este problema. A cooperação voluntária depende do capital social. As regras de reciprocidade generalizada e os sistemas de participação cívica estimulam a cooperação e a confiança social porque reduzem os incentivos a transgredir, diminuem a incerteza e fornecem modelos para a cooperação futura.

Para finalizar, o professor José Álvaro Moisés compara a confiança política nos poderes executivo e legislativo com a confiança em outras instituições como bombeiros, igreja e poder judiciário. Uma excelente oportunidade de ampliar a discussão sobre capital social, democracia e confiança nas instituições políticas. Ressalto que essa vídeo aula sobre qualidade da democracia faz parte da iniciativa da Univesp, uma das iniciativas de educação a distância mais sensacionais que acompanho.

Referência Bibliográfica

Putnam, Robert. (1996), Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas.

 

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